quinta-feira, 17 de junho de 2010

A Língua Portuguesa, de vez em quando, põe-me "a chorar da vista"





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A Língua Portuguesa, de vez em quando, põe-me "a chorar da vista".
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Esta expressão de criação popular pode parecer estranha aos mais puristas, ou até nem fazer grande sentido. Gramaticalmente, poderá estar bastante retorcida.
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Para chorar, usa-se, entre outros órgãos, também a vista, os olhos. Que sentido faz então dizer que se ficou a "chorar da vista"?
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O senso popular sabe, intui, que, para evitar a confusão com o choro verdadeiro, que vem da alma, do coração, da dor de alma ou da dor física (choram mais, por esta ordem, as crianças, as mulheres e, por fim, os homens, que não choram), era necessário introduzir um elemento que precisasse a natureza do lacrimejo.
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Chorar "da vista" (com origem na vista, nos olhos) é lacrimejar em consequência de constipação, alergia, conjuntivite, cortar cebolas... Nada de emoções por aqui.
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Comentários:

Júlia disse a Thu, 17 Jun 2010 17:04:07 GMT:
Confundiu-me com este post. Será que esteve a cozinhar e a cebola pô-lo "a chorar da vista"?
Aliás, esta maneira muito popular de designar os olhos é, de facto, muito estranha.

Luiz disse a Thu, 17 Jun 2010 18:19:55 GMT:
Não, não escrevi isto por ter estado a cozinhar.
Foi precisamente a estranheza da expressão que me levou a escrever sobre ela.
A tentar, de certo modo, explicá-la.
Há expressões que ouvimos durante toda a vida e que, a qualquer momento, despertam a nossa atenção devido à sua falta de lógica (aparente, neste caso).

Júlia disse a Fri, 18 Jun 2010 09:41:34 GMT:
Há, na Antena 1, todas as manhãs, uma pequena rubrica que se chama "Lugares comuns", em que uma senhora explica a origem de muitos dos lugares comuns e expressões que usamos correntemente. É muito interessante. Nas suas viagens por cá, não costuma ouvir?

Luiz disse a Fri, 18 Jun 2010 17:32:29 GMT:
Infelizmente, não conheço essa rubrica. Não devo tê-la ouvido nunca, senão já teria adquirido o hábito. Mas vou já inteirar-me do horário e outros pormenores, no site da RDP.
As palavras não saem do nada, têm de ter uma história. Nunca vamos ter tempo para conhecer a história de todas, como é óbvio. Mas as expressões e frases feitas são um testemunho da cultura e da sociedade onde apareceram ou são usadas.

Luiz disse a Fri, 18 Jun 2010 17:36:54 GMT:
Essa rubrica é emitida às 07:13 e 20:12.

Júlia disse a Sun, 20 Jun 2010 13:25:39 GMT:
Costumo ouvi-la de manhã...

domingo, 13 de junho de 2010

Ovo de Colombo



 


Há muito tempo que não escrevo nada. Quando digo nada, quero referir a ausência da escrita solitária e não interactiva, offline.
Hoje escreve-se muito a dar respostas a questões acabadas de colocar justamente com o intuito de obter essas respostas, directas e personalizadas no caso dos chats, ou quase directas no caso das redes sociais e dos blogues, estes últimos com um público potencialmente mais vasto.
A web, pela facilidade com que permite interagir com outras pessoas, ambientes e assuntos, acaba por consumir uma boa parte do tempo que, de outro modo, talvez fosse ocupado de forma mais introspectiva.
Uma pequena dose de auto-disciplina deve permitir uma repartição equilibrada do tempo de cada um, de tal modo que, navegando e comunicando, deixe de ser um bicho-do-mato, e por outro lado, concentrando-se sem interrupções, possa mergulhar a uma maior profundidade dentro de si próprio, quiçá pescando aí, nessas zonas mais escuras e tranquilas, alguns exemplares eventualmente capazes de competir com os das águas mais agitadas da superfície.
Por outro lado, nada impede que a produção obtida em ambiente solitário seja depois compartilhada. Nos tempos que correm, escrever para a gaveta deve ser um hábito caído em desuso, excepção feita para algum espírito romântico sonhando com glórias póstumas.
A escassez do tempo, em conjugação com interesses e atitudes, determina, ou pelo menos condiciona, a forma como aquele é empregue ou repartido. Mas não deixa de ser no mínimo curioso verificar que quem se queixa da falta de tempo gaste horas e horas em jogos online do tipo Farmville, cuja real valia é a do entretenimento.
Nem tudo tem uma explicação clara, neste mundo…
Ocasionalmente recebo mensagens do tipo “então para quando mais um texto daqueles…?”. Não deixam de ser lisonjeiras tais sugestões, mas é também preciso reflectir sobre o curioso que é merecê-las a nossa humilde condição. A generosidade humana é por vezes esbanjadora…
Assim sendo, quantos livros não teríamos podido escrever…
Teríamos podido…? Bem…
Essa é a essência do Ovo de Colombo.