sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
Os quatro elementos
Além de registar uma paisagem querida, o cenário contém os quatro elementos dos filósofos da Grécia antiga.
Hoje sabemos que os elementos são muitos mais.
No entanto, antes que a ciência se desenvolvesse, registavam-se apenas aqueles que os sentidos podiam perceber (e que, afinal, já não são elementos, mas meras construções da nossa percepção sincrética, conjuntos de elementos que tendemos a perceber como um todo, pela simples razão de que as leis do Universo, pelo menos aqui neste cantinho, tendem a mantê-los agrupados).
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
Rascunho ingénuo
O capitalismo globalizou-se, concentrou-se em muito poucas mãos, organizou-se, não todo ele, mas com a dimensão que lhe dá o poder suficiente para derrubar governos de países e até de continentes
Na questão das dívidas, o capital tem razão, ou parte dela: ele próprio resulta da acumulação, e acumulação é, de certo modo, poupança
Mas essa acumulação é excessiva
Toda a poupança ou acumulação, por natureza, é sempre feita à custa de outrem
Tudo o que se possui deixa de ser possuído por outrem
É lógico que assim seja: Quem conquista possui
Mas isso é a lei do mais forte
Esta lei é natural e não pode ser eliminada
Aliás tem de ser acarinhada
A competição é necessária: sem competição não há avanços; a desnecessidade de competir anularia a vontade de fazer esforços
O extremo da competição é a guerra, quando o sucesso significa a eliminação do adversário (figura nem sempre clara, apesar de os ditadores sempre tentarem fazer um desenho nítido)
Mas os homens QUANDO CONSCIENTES sabem que a guerra, apesar de lhes estar no sangue, apenas serve para que alguns enriqueçam à custa da eliminação dos outros
Quando conscientes sabem que, organizados, podem progredir melhor
A organização não é o nivelamento
A organização serve essencialmente para evitar que uns cometam excessos sobre os outros
A organização tem de cuidar para que não seja tomada por pequenos grupos não representativos: toda a gente tem de estar representada.
O dinheiro era uma ferramenta para os homens poderem fazer trocas entre si
Mas a posse de muito dinheiro confere muito poder
Os poderosos detentores de dinheiro têm o poder suficiente para dominar e escravizar todos os que o não têm
Como o fazem? Através do endividamento
A sociedade da abundância e do bem-estar é uma armadilha
Queremos cada vez mais coisas
Por isso trabalhamos cada vez mais e temos cada vez mais coisas
Enquanto trabalhamos, o capital apropria-se das mais-valias, ou seja, não distribui tudo aquilo que criamos para ele
Mas esse capital fica nas mãos de umas poucas pessoas
Actualmente privadas, particulares.
Em tempos, existiu um simulacro de controlo público da riqueza acumulada, mas era apenas um simulacro: na realidade, apenas alguns acediam a esse controlo, escravizando os restantes
Parece que a riqueza sempre escraviza
Assumamos então isso como inevitável
Tenhamos como certo que sempre seremos um pouco escravos de outrem
O problema reside apenas no efeito de autoalimentação dessa relação de poder
É necessário um mecanismo regulador, algo como o regulador centrífugo de James Watt, impedindo que a velocidade suba ou desça de certos limites
Esse mecanismo tem de estar sob o controlo e vigilância de todos
O que acontece agora é que esse mecanismo - o valor do(s) dinheiro(s) - se encontra sob o controle apenas dos que possuem esse mesmo dinheiro e eles usam-no para escravizar os restantes, incentivando-os a endividarem-se excessivamente para em seguida os dominarem
Foi assim que fizeram, é assim que continuam a fazer
O capital global (ou parte dele) decidiu que os países da zona Euro se estavam a descuidar com o endividamento e que era altura de lhes deitar a mão: quem se descuida no meio do rio ainda é comido pelos crocodilos
No meio disto, a Alemanha tem um papel duplo: por um lado, é pressionada para não cair na mesma armadilha do restantes membros do grupo que controla. Robusta, aproveita a sua força para fazer com os de baixo aquilo que lhe fazem os de cima: pressiona e, se for o caso, espezinha.
Tudo se encaixa: segundo alguns observadores empíricos, os alemães são extremamente "graxas", borram-se de medo do chefe, ao mesmo tempo que espezinham o subordinado.
Os países que aderiram ao euro (alguns, pelo menos) cometeram um erro tremendo de ingenuidade: o de que, neste mundo, alguém dá alguma coisa a outrem
Esqueceram que não há almoços grátis
Subsídios traduziram-se em dependência, através de endividamento e redução das produções próprias
Quem não se acautelou tramou-se
Por seu lado, nos países subsidiados, as "elites" predadoras apoderaram-se da maior parte possível desses subsídios em benefício próprio
Teoricamente, destinavam-se, por um lado, a compensar os abandonos de produção exigidos; por outro, a reconverter a economia.
Subsidiava-se o arranque das oliveiras existentes para dar lugar a olivais novos, adaptados à apanha mecânica da azeitona, ou algo do género. Mas o arranque, só por si, já dava direito a subsídio. Então, fazia-se o arranque e, com o dinheiro do subsídio recebido, comprava-se um BMW, aliás alemão. Quanto ao olival novo, logo se veria, caso viesse mais subsidio.
Subsidiaram-se sementeiras de girassol que nunca foi, nem se destinava a ser, colhido, a menos que, por acaso e fortuna, desse uma boa produção.
Etc, etc
Bmw, range rover, mercedes, vivendas, cruzeiros, lagosta e garotas exóticas.
Toda essa despesa deu lugar a lucros em algum lado
E gerou endividamento: uma vez adquirido o hábito de gastar, com crédito fácil à disposição, foi um ver se te avias…
A classe política foi-se amanhando. O melhor era ir aderindo à moda e granjear um pé-de-meia
E isso está mal, muito mal, há que castigar
Mas as famílias são grandes. Algum familiar nosso, ou do nosso vizinho, ou de um amigo nosso, por azar, terá de ter estado envolvido nalgum esquema, ou beneficiou dele indirectamente, ou é primo do secretário ou do ministro, quiçá até os juízes tenham pena dele e dêem razão aos excelentes advogados que contratou, ou até se está nas tintas porque o seu esquema é outro, ou não se quer meter em chatices porque parece mal denunciar (por cá é que parece mal: não esquecer que os alemães, e outros europeus mais a norte, denunciam tudo o que se passa à sua volta, nem precisam de polícia...)
...
(no fim, o autor adormeceu)
segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
O espelho de água
O açude insuflável de Abrantes.
A notícia a que recorri já tem quase dois anos, mas mantém-se tão actual que é como se fosse de hoje mesmo.
No final do texto da notícia, surge esta pérola:
"Ainda assim", afirmou Maria do Céu Albuquerque, "o açude foi construído com um fim específico que é o de servir o turismo activo e de lazer", tendo assegurado "estudar a possibilidade" de manter o açude em baixa "desde que a barragem de Belver também permita um caudal e um espelho de água constante".
Ou seja: acima de qualquer outra consideração, está o "espelho de água".
Remete-se para a Barragem de Belver a responsabilidade de manter um caudal mínimo que, com o açude em baixo, permita manter esse mesmo espelho de água. Isto é algo impossível, como sabemos, e todos nos recordamos de como era aquela zona antes do açude. Nunca ali existiu algo que se parecesse com o actual espelho de água. Subindo o nível do rio, por aumento do caudal, crescia também a velocidade da corrente. Baixando um pouco o caudal, o que se via era um areal e um fio de água. E as descargas da Barragem de Belver são feitas segundo as necessidades de produção de energia e as disponibilidades de água na albufeira, que por sua vez dependem do caudal libertado pela Barragem de Alcântara, em Espanha, e, em menor medida, do funcionamento das barragens de Cedilho e do Fratel.
Das duas, três: ou o jornal transcreveu mal as palavras da senhora presidente, ou eu percebi mal, ou tais declarações são apenas um belo exercício de cinismo por parte de quem apenas se preocupa com o seu cantinho e os outros que paguem as favas.
Os pescadores bem pediram, mas não foram servidos:
«Neste contexto, os representantes da comunidade piscatória pediram recentemente à presidente da Câmara de Abrantes para que mantenha as comportas do açude "abertas" entre os meses de Dezembro e Maio, "já a partir deste mês", para que o peixe siga o seu percurso tradicional e chegue à aldeia ribeirinha.» (na notícia acima referida)
Esta foto é da semana passada. O espelho de água está lá.
O que não está, no rio, na zona a montante, são os peixes.
Os pescadores não foram ouvidos.
Não parece que a Câmara possa ignorar estes problemas, pois houve vereadores que alertaram para eles nas reuniões do executivo municipal:
(Sabe-se que as palavras dos vereadores das oposições costumam encontrar ouvidos moucos, mas isto está escrito.)
Nesta outra notícia, ainda do tempo do anterior presidente e “pai da criança”, já se falava de alguns problemas:
”o que acontece é que esta obra não está a permitir a circulação dos peixes da zona a jusante do açude para a zona a montante, pois a passagem é muito curta para uma diferença de cota na ordem dos quatro metros”.
Este blogue andou a batalhar sobre o tema e outros relacionados:
Uma coisa que eu gostava de saber é se há alguma relação entre este açude e uma eventual proteção à atividade de extração de inertes que é praticada no local. Com efeito, existem ali duas pontes (uma rodoviária, outra ferroviária), sendo que ambas são de construção semelhante à de Entre-os-Rios, a que causou uma tragédia quando caiu, ao que parece devido a importantes alterações no fundo arenoso do rio, provocadas precisamente pela excessiva e descontrolada extração de areias. O açude poderia ajudar a proteger as fundações das pontes, sem pôr em causa a continuidade da extração de inertes. Mas isto já seria especular…
A cidade de Abrantes não é dona do rio Tejo. Tem o direito de usufruir dele, mas, no exercício desse direito, não pode colocar em causa o equilíbrio ecológico do próprio rio.
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