O açude insuflável de Abrantes.
A notícia a que recorri já tem quase dois anos, mas mantém-se tão actual que é como se fosse de hoje mesmo.
No final do texto da notícia, surge esta pérola:
"Ainda assim", afirmou Maria do Céu Albuquerque, "o açude foi construído com um fim específico que é o de servir o turismo activo e de lazer", tendo assegurado "estudar a possibilidade" de manter o açude em baixa "desde que a barragem de Belver também permita um caudal e um espelho de água constante".
Ou seja: acima de qualquer outra consideração, está o "espelho de água".
Remete-se para a Barragem de Belver a responsabilidade de manter um caudal mínimo que, com o açude em baixo, permita manter esse mesmo espelho de água. Isto é algo impossível, como sabemos, e todos nos recordamos de como era aquela zona antes do açude. Nunca ali existiu algo que se parecesse com o actual espelho de água. Subindo o nível do rio, por aumento do caudal, crescia também a velocidade da corrente. Baixando um pouco o caudal, o que se via era um areal e um fio de água. E as descargas da Barragem de Belver são feitas segundo as necessidades de produção de energia e as disponibilidades de água na albufeira, que por sua vez dependem do caudal libertado pela Barragem de Alcântara, em Espanha, e, em menor medida, do funcionamento das barragens de Cedilho e do Fratel.
Das duas, três: ou o jornal transcreveu mal as palavras da senhora presidente, ou eu percebi mal, ou tais declarações são apenas um belo exercício de cinismo por parte de quem apenas se preocupa com o seu cantinho e os outros que paguem as favas.
Os pescadores bem pediram, mas não foram servidos:
«Neste contexto, os representantes da comunidade piscatória pediram recentemente à presidente da Câmara de Abrantes para que mantenha as comportas do açude "abertas" entre os meses de Dezembro e Maio, "já a partir deste mês", para que o peixe siga o seu percurso tradicional e chegue à aldeia ribeirinha.» (na notícia acima referida)
Esta foto é da semana passada. O espelho de água está lá.
O que não está, no rio, na zona a montante, são os peixes.
Os pescadores não foram ouvidos.
Não parece que a Câmara possa ignorar estes problemas, pois houve vereadores que alertaram para eles nas reuniões do executivo municipal:
(Sabe-se que as palavras dos vereadores das oposições costumam encontrar ouvidos moucos, mas isto está escrito.)
Nesta outra notícia, ainda do tempo do anterior presidente e “pai da criança”, já se falava de alguns problemas:
”o que acontece é que esta obra não está a permitir a circulação dos peixes da zona a jusante do açude para a zona a montante, pois a passagem é muito curta para uma diferença de cota na ordem dos quatro metros”.
Este blogue andou a batalhar sobre o tema e outros relacionados:
Uma coisa que eu gostava de saber é se há alguma relação entre este açude e uma eventual proteção à atividade de extração de inertes que é praticada no local. Com efeito, existem ali duas pontes (uma rodoviária, outra ferroviária), sendo que ambas são de construção semelhante à de Entre-os-Rios, a que causou uma tragédia quando caiu, ao que parece devido a importantes alterações no fundo arenoso do rio, provocadas precisamente pela excessiva e descontrolada extração de areias. O açude poderia ajudar a proteger as fundações das pontes, sem pôr em causa a continuidade da extração de inertes. Mas isto já seria especular…
A cidade de Abrantes não é dona do rio Tejo. Tem o direito de usufruir dele, mas, no exercício desse direito, não pode colocar em causa o equilíbrio ecológico do próprio rio.