domingo, 20 de janeiro de 2013

haja luz


Dependência e vulnerabilidade: uma das condições das nossas vidas, não só nos dias de hoje, mas desde sempre.
Estar atento e não se deixar iludir é a única defesa contra estes dois (que se fundem num só) inimigos insidiosos.

Quem estiver em posição de influenciar o comportamento dos outros, explorando a vulnerabilidade que lhes conferem as suas dependências, acaba por ter nas mãos, se não os seus destinos, pelo menos uma parte importante das suas vidas. Os proveitos que daí advêm (para o explorador) são de todo o tipo: económicos, políticos, etc…

A dependência da tecnologia no mundo moderno.

A electricidade é o motor de toda a tecnologia. Não há, hoje em dia, quase nada que não dependa da electricidade para funcionar.

A electricidade (uma forma de energia), como qualquer outro bem, paga-se. A forma mais barata de obter electricidade é através das redes de distribuição fixas. Elas estão presentes em quase todos os núcleos urbanos, mesmo os mais pequenos, e até em locais dispersos onde a sua necessidade se fez sentir e houve a vontade e os meios para as pagar.

O preço relativamente baixo (por muito que nos queixemos do montante crescente das facturas) faz com que a energia eléctrica seja usada para quase tudo. Quase todas as criações científicas e as tecnologias desenvolvidas no século passado (e mesmo no anterior) dependem da electricidade para funcionar e esta forma de utilização da energia foi sempre tida em conta em qualquer processo de criação e desenvolvimento.
  
O simples facto de a luz acender sempre (ou quase sempre) quando accionamos o botão do interruptor (ou nem isso, pois muitas luzes são accionadas por cómodos sensores de presença ) faz que, com muita facilidade, nos esqueçamos de comprar velas ou outros meios alternativos de iluminação. Assim, quando a rede eléctrica se vai abaixo (por exemplo em consequência de um vendaval como o destes últimos dias), corremos o risco de não vermos satisfeita uma necessidade bastante básica, que é a de termos iluminados os sítios onde estamos ou por onde andamos.

Claro que existem fontes alternativas de fornecimento de electricidade (p.ex.  geradores), que até podem ser ligados à nossa rede doméstica (tendo a precaução de desligar o quadro de entrada). Mas são relativamente dispendiosas para a maioria das famílias e, por isso, bastante raro o seu uso.

Estar ligado ao mundo.

A electricidade permite o funcionamento de todos os artefactos tecnológicos criados para nos extorquir dinheiro a pretexto de uma ilusória ligação com o mundo (quanto maior for o número de pessoas "ligadas ao mundo", mais o mundo se está borrifando para cada uma delas em particular, embora nada indiferente àquilo que o seu somatório representa: um mercado). 

Uma das nossas necessidades (que não sei se é básica, mas há-de haver interessados em fazer com que o seja) é a de saber sempre o que se passa à nossa volta (e até no outro lado do mundo), se possível antes dos outros e de forma mais completa. O sucesso da Internet deve-se precisamente à sua capacidade de se adaptar às necessidades e à vontade de cada utilizador (antes simples leitor/ouvinte/espectador), introduzindo a flexibilidade e a interactividade onde antes havia um rígido monólogo (e monopólio) dos "media" tradicionais.

Sem electricidade na rede, alguns aparelhos ainda funcionam, por disporem de bateria. No entanto, a carga das baterias gasta-se e, se o corte ou apagão se prolonga, até mesmo esses param de funcionar, deixando os seus utilizadores "isolados do mundo".

Se eu fosse gestor da companhia de fornecimento de electricidade, não hesitava em proceder a um aumento substancial das tarifas: depois de um apagão prolongado, os consumidores estão bem conscientes do "valor" daquele bem cuja falta tantos dissabores  causou, logo mais dispostos a pagar por ele. Nada como uma crise de escassez ou privação par dispor as pessoas a abrirem os cordões à bolsa.

Este texto não foi estruturado e estou a escrevê-lo ao correr da pena (ou, melhor, da Parker, entretanto provida de uma recarga da concorrência a um quarto do preço…). E importa  dizer que estou a escrever à luz de velas (duas, neste caso, já que a luz de uma é insuficiente para eu conseguir escrever). E também refiro que me levantei bastante cedo para o fazer, depois de algumas horas de "insónia clarividente".

Os benefícios da quebra da rotina.

Numa vida de escassez, aventura e luta pela sobrevivência, não há lugar para a rotina. Esta é própria das vidas em que as necessidades básicas são satisfeitas de modo quase automático. Também é verdade que, por outro lado, se a maioria dos indivíduos não tivesse satisfeitas com facilidade as suas necessidades mais básicas, não poderia estar disponível para a procura e satisfação de outras necessidades mais elaboradas e ditas de nível mais elevado, o chamado progresso civilizacional.

O progresso civilizacional dá-se quando uma grande parte dos indivíduos tem satisfeita, com relativa facilidade parte das suas necessidades básicas, mas não tanto que não sinta a necessidade de melhorar.

Indivíduos mal alimentados não têm sequer energia para a ambição que está na base do progresso. Indivíduos demasiado abastados ------------------------

(e aqui acabou-se a bateria do portátil, durante a transcrição do manuscrito…)

… Indivíduos demasiado abastados podem nem sentir necessidade de progredir, satisfeitos que estão com as delícias do seu dia-a-dia.

Esse seria o paradigma de uma sociedade feudal estagnada, com senhores de vida faustosa mantendo na ignorância e na miséria abjecta a massa dos seus inúmeros servidores. Não se estranhe que, ainda hoje em dia, muitas almas piedosas suspirem pelo regresso deste tipo de sociedade (obviamente adaptado aos tempos modernos) em que os de cima libertariam as suas consciências deixando cair, segundo seria seu privilégio e arbítrio, umas migalhas da sua farta mesa para alimentar as multidões famintas.