sábado, 19 de outubro de 2013

A barragem





Que a Terra é de todos é um facto. Nascer num hemisfério ou noutro é uma questão de sorte. Ninguém pode ser condenado a morrer de fome por ter tido o azar de nascer no sítio errado, aquele onde não há nada para comer.

Logo, todo aquele que tem fome na terra onde nasceu tem o direito de procurar sustento noutro lugar.

Por outro lado, os que tiveram a sorte de nascer em terras férteis, não se limitam a colher o que a terra dá. São muito raros (se é que existem) os édenes capazes de suportar populações que se dediquem apenas à recolecção, a não ser que se trate de comunidades muito pouco numerosas e que, ainda assim, a Natureza seja bastante generosa.

Os peixes tendem a esquivar-se, a caça é bastante trabalhosa e comer apenas frutos é pobre dieta. Satisfazer a mais básica das necessidades, a de nutrir o organismo para que este possa continuar a viver exige trabalho, por vezes muito trabalho. Depois, satisfazer as necessidades seguintes (satisfeita uma, logo aparece outra) exige cada vez mais trabalho e, sobretudo, organização.

Tendo embora a obrigação de não negar oportunidades ao seu semelhante que chega faminto de outras terras, o residente não é obrigado a ceder tudo aquilo que lhe custou esforço para conseguir. Nem isso é conveniente para nenhum dos dois. Se aquele que chega, cego de fome e de ignorância, acabar por destruir o que o residente criou, ambos acabarão por morrer de fome, já que a subsistência não depende dos bens disponíveis no momento, mas da capacidade de continuar a produzi-los.

Há que pensar nisto quando se fala em abolir todas a fronteiras e entraves às migrações. Qualquer civilização acaba quando invadida por hordas de esfomeados e sem que ninguém fique a ganhar com isso.


A queda de uma barreira é sempre um acontecimento catastrófico. Além de catastrófico é inevitável. A ignorância deste simples facto é que explica a sua existência. Não existiriam barreiras se aqueles que as erguem soubessem, com antecedência, que as barreiras vão cair um dia, com pesadas consequências para todos quando isso acontecer.

As barreiras são como barragens num rio que não deixam passar nenhuma água. À medida que o nível da água sobe e ameaça galgar, acrescenta-se mais parede. Mas um dia a pressão é tanta que a barragem começa a abrir brechas e acaba por rebentar, destruindo tudo na enxurrada.

(E até pode acontecer, por incrível que pareça, que a água galgue a barragem sem a destruir, impulsionada por algo capaz de a empurrar, como aconteceu em 1963 no vale de Vajont, Itália, quando um deslizamento de terras causou uma onda gigante na água represada. Aldeias foram arrasadas e 2000 pessoas morreram. Mas a barragem, apesar de praticamente intacta, nunca mais foi utilizada... É um monumento à imprudência humana.)

Tais calamidades nunca poderiam acontecer num rio sem barragens.

Ainda assim, poderiam ocorrer enchentes estacionais. Sim, sempre ocorrem. Mas são previsíveis e até, como sucedia no Nilo antigo, podem ser a fonte de toda a fertilidade.