segunda-feira, 27 de novembro de 2006

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Vale da Vinha, domingo, 1 de Outubro de 2006, 11:32
 
         Esta imagem foi obtida numa manhã da última primavera, a partir do local conhecido como Vale dos Coelhos. O casario em fundo é obviamente o Vale da Vinha, destacando-se, pelo seu volume, a nova igreja, ou igreja reconstruída. Esta última designação é praticamente inútil, pois do incêndio não restaram senão quatro paredes daquilo que, na realidade era apenas uma tosca adaptação do que fora em tempos o Centro de Convívio da localidade. Noutra ocasião falaremos mas detidamente sobre esta histórica transformação.
         Em primeiríssimo plano, recorta-se, no magnífico céu azul daquela manhã, um ramo queimado de sobreiro. Quase queimado, diria com maior exactidão, pois o fogo, felizmente, não foi capaz de destruir tudo. E a prova disso são as folhas verdes que o mesmo ramo ostenta, o verde e as flores na veiga em segundo plano, fruto da recuperação de que a Natureza é capaz. E não só a Natureza é capaz de recuperar, pois, como parte dela que são, também as pessoas conseguem, quando querem, erguer das cinzas pequenas ou grandes maravilhas.
       Eu não compartilho – pelo menos com convicção – da Fé da maior parte destas pessoas, ou de muitos dos seus fundamentos. Mas nenhuma delas contempla com maior alegria esta imagem.

         TRANSFORMAÇÕES
         Prometi, para mais tarde, falar das mudanças que permitiram que o centro de convívio evoluísse para igreja. Como essa história, em traços largos, não é muito difícil de contar, vou fazê-lo agora mesmo. Assim, não correrei o risco de me esquecer (que a memória está cada vez pior).
         Essas quatro paredes das que renasceu uma nova igreja pertenciam a um edifício mandado construir, há várias décadas, pela família de D. Márcia Rebello, e doada à população de Vale da Vinha, na altura maioritariamente ao serviço dessa abastada casa agrícola, para ser utilizada como centro de convívio.
         Assim foi. E desse percurso, com altos e baixos, não trata este resumo. A vida associativa da localidade, como qualquer entidade viva e dinâmica, também teve os seus sobressaltos. A História é, também, feita de agitação, mais até que de tranquilos descansos. Por isso, com maior agrado de uns e menor de outros – nem poderia nunca ser de outra forma – essa vida comunitária segue o seu rumo, agora em novas instalações, que são testemunho sólido dessa mesma evolução.
         A sede da Associação mudou, pois, a certa altura, de lugar. A antiga Sede – o edifício foi assim designado durante muito tempo – já vinha servindo, alternadamente como local de convívio e de culto religioso. Como para esta última função não havia nenhum local habilitado, pelo menos no interior da povoação, o sítio foi definitivamente consagrado àquilo que hoje, com diferente aspecto, continua a ser. Para isso contribuiu a acção de várias pessoas. Decerto não foi menos importante a do Padre Manuel Baltazar, que infelizmente já não está entre nós. Servidor da Igreja e da Cultura, pois era também professor, aliás com grande admiração recordado pelos que foram seus alunos. Era, pois, o pároco da freguesia e, sendo natural, creio, desta localidade, e aqui residente, não se podia senão esperar da sua parte esforços (discretos, pois era uma pessoa educada) nesse sentido. Algumas outras pessoas foram também exercendo a sua acção, às vezes pressão, às vezes intriga – que de tudo é preciso – para afastar de forma definitiva a componente laica que ainda podia restar ligada ao local. Que aliás já não se justificava, devo ressaltar.
         Algum ressentimento pode ainda por aí andar, mas bem guardado, pois ninguém se atreve a ir contra esta corrente. E isso dever-se-á mais a rivalidades pessoais do que a qualquer espécie de oposição a esta mudança. Alguns gostariam de ter mais protagonismo, mas só é protagonista da História aquele que aparece nela. Óbvio, não é?!
        

         O resto são factos recentes.
         Todos nos lembramos do incêndio e de como o antigo edifício ficou destruído por completo.
         E creio que ninguém discordará de mim, se disser que hoje não teríamos igreja se não fosse o Padre Adelino. Não são precisas muitas palavras.
         Obrigado, Padre Adelino!
         Uma pequena referência se impõe fazer ao Padre Adelino. Eu não frequento a igreja, não vou à missa, quando muito a casamentos e funerais. Por isso não sou uma ovelha do seu rebanho. Nem sei se me consideram uma das tresmalhadas. Mas nem isso me importa.
         O Padre Adelino é ainda jovem. Apesar disso já pode apresentar obra. E mesmo a espiritual precisa de um suporte material. Que, neste caso, ele se esforçou bastante para (re)construir.
         De resto, julgo que é uma excelente pessoa, um beirão de bom trato, que gosta de passar as tardes livres de domingo a conviver com os seus paroquianos, crentes ou não, jogando umas partidas de sueca no bar dessa mesma Associação, que agora já não funciona no local da missa. Mas a ligação permanece bem viva entre os dois locais. E é assim que tem de ser. Creio que o Padre Adelino, também aí, é um símbolo vivo.
         Outra vez, obrigado!

domingo, 26 de novembro de 2006

Travessias do Tejo

         O nome do blog é “da Beira ao Alentejo”, o que, desde logo, supõe e praticamente implica uma travessia do Tejo, motivo para o título da secção seguinte. Como subtítulo ou descrição, “impressões de um migrante”. Tem tudo a ver com mudanças, deslocações e travessias.
         Mas eu queria falar de verdadeiras travessias, ou atravessamentos, do Tejo, sem qualquer dimensão épica, visão poética ou carácter biográfico. Simples episódios, quase faits divers.
         TRAVESSIAS DO TEJO
         (com câmara-de-ar)
        
Certo dia, quando eu andava na telescola, a professora (monitora era realmente o seu título), que era pouco mais velha do que a maioria dos alunos, e gostava, como se compreende, de passar, sempre que possível, algum tempo connosco fora das quatro paredes e longe do televisor a preto e branco, resolveu planear um piquenique à beira do Tejo. Levou-se farnel e passou-se um dia óptimo, ali um pouco a montante da ponte. Havia areia, sombras de choupos e amieiros, muita água. Havia, sobretudo, muita juventude, sangue na guelra, e também alguma malandrice à mistura. Jogou-se à bola e às cartas, houve corridas, e quem sabia nadar deu umas boas braçadas, comeu-se o farnel e acho que até se bailou e namorou. Nada que não viesse a propósito, num dia para recordar com uma pontinha de saudade.
         O episódio da travessia, como disse não mais que um fait divers, foi algo de aventura irresponsável, mas também compreensível aos dezasseis ou dezassete anos de idade. Alguém levou uma câmara-de-ar, grande, das de camião. Deu uma excelente bóia e não fui o único a atravessar o rio deitado nela. É que nem me preocupou o simples facto de não saber nadar, numa zona com cerca de quinze metros de profundidade e uns cento e cinquenta de largura! Tudo correu bem, afinal, e ainda aqui estamos para contar o episódio, pois a câmara-de-ar velha nunca esvaziou. Estava em bom estado.

         Não me recordo bem de quem a levou. Mas só podia ter sido um de dois irmãos cujo pai tinha um negócio de madeiras, exploração florestal, e possuía camiões e tractores. Eram os dois meus colegas nessa escola. Recordo-me deles como excelentes rapazes e bons amigos. Agora é o que resta deles: a recordação. Ambos morreram, no auge da juventude, quando já tinham assumido as rédeas do negócio da família. O mais velho dos dois (tinham cerca de um ano de diferença) morreu no trabalho. Caiu-lhe em cima a árvore que nesse momento cortava. Passado algum tempo, foi-se o outro, num acidente de carro.
         Era para contar apenas o episódio da câmara-de-ar, mas diz-se que as conversas são como as cerejas… Não se podem evocar factos isolados. Sempre ocorrem (e acorrem) outros.
         TRAVESSIAS DO TEJO
         (com bote, e de pernas para o ar)
         Numa festa de casamento, foi-se de bote até à Quinta do Alamal.
         O episódio é o de uma convidada, já demoradamente solteira, que caiu dentro do bote, quando este chocou na margem, e ficou totalmente de pernas para o ar. Naquele tempo, apesar da moda recente da mini-saia,  pernas de mulheres, pelo menos da idade daquela, não eram coisa muito exposta, ainda menos em tal posição, de modo que ninguém ficou indiferente, nem sequer eu, que era bastante miúdo.

         TRAVESSIAS DO TEJO
         (na barca, porque já não dava pé)
         Há uns anos atrás, podam obter-se nas câmaras municipais umas licenças que permitiam apanhar peixes no rio, com uso de redes. Um vizinho nosso tinha algumas, mais a tal licença, e lá fomos para o Tejo, ali perto de Alvega, uns dois ou três quilómetros a jusante da Barragem de Belver. Éramos uns quantos: o dono das redes, eu, o meu sogro, e mais uns quatro ou cinco sócios. Alguns de nós éramos mais expeditos no manejo das redes ou na captura, à mão, dos peixes refugiados entre as pedras, outros tinham mais jeito para cozinhar uma caldeirada ou assar umas fataças, outros tinham o mérito, menos concreto, mas ainda mais estimável, de ser excelentes companheiros. Éramos um grupo heterogéneo e barulhento, disposto a um belo dia de patuscada.
         A pescaria, naquele local, por via de regra efectuava-se estando fechada a barragem, com o caudal mínimo do rio, o qual, mesmo assim, devido ao mau estado das comportas, era considerável na hora de atravessar a pé.
Aproximamo-nos pela margem esquerda, que é a nossa, e temos de pescar na margem direita, debaixo de uns amieiros e junto a uns antigos muros de pedra ali existentes. Estendem-se uma ou duas redes, os peixes ficam cercados, a maioria esconde-se nos buracos entre as pedras dos muros, mete-se ali a mão e tiram-se os peixes directamente para o saco. O método é trabalhoso e, provavelmente, ilegal, mas garanto que é eficaz e extremamente divertido.
Estávamos nós já com meio saco de belíssimos barbos, quando alguém, mais vigilante, gritou que o nível da água estava a subir muito depressa e a velocidade da corrente a aumentar. Tinham posto as turbinas da barragem a funcionar. Constatámos que sim, que era verdade, mas havia ainda muito peixe para apanhar e, gananciosos,  ficámos mais uns instantes. Claro que, quando tentámos, finalmente, ganhar a nossa margem, já não pudemos. A corrente arrastava-nos, sem que conseguíssemos manter os pés assentes no fundo. De maneira que tivemos de nos deslocar a pé, pela via-férrea, com o saco dos peixes às costas até à estação de Alvega-Ortiga, onde havia um tipo com um bote a quem se pagava pela travessia. Depois de chegar ao outro lado, tivemos que marchar novamente um bom bocado, até chegarmos junto do resto do grupo.
Mas valeu a pena, pois comeu-se e bebeu-se bem. E foi um belo dia, para recordar com saudade e alguma pena, pois o “ambiente”, agora, já não parece tão propício a tais actividades. 
Alguns mudaram de residência, os tempos são outros, as autoridades já são menos tolerantes, o rio está mais poluído, há menos peixe.
Eram bons tempos…
TRAVESSIAS DO TEJO
(na Barca da Amieira)
Uma única vez atravessei o rio nesse local. De noite, numa barca construída de chapa de ferro. Íamos em grupo, com motorizadas, para um baile na Amieira, depois de termos estado noutros em São José das Matas, ou nalguma aldeia próxima. Recordo-me de que a travessia durou pouco, o rio é ali mais estreito, e que a barca baloiçava imenso, com a água quase a roçar a borda, sob uma carga quase no limite.
TRAVESSIAS DO TEJO
(em Toledo, e mais para cima)
Se há cidade envolvida por um rio, essa é Toledo. O rio descreve um meandro enorme, a cidade está numa espécie de península, com ares de promontório num dos lados. O rio cerca, literalmente, esta cidade. Mas parece que a cidade não liga nada ao rio, olha-lhe por cima, na sua ostensiva monumentalidade.
Quando passo com o meu camião por essa zona, às vezes deixo a auto-estrada logo em Talavera. Assim, atravesso o Tejo em Albarreal de Tajo, logo outra vez ao chegar a Toledo, e ainda uma vez mais do lado oposto. E, dependendo do percurso, poderei já ter atravessado junto a Almaraz e à central nuclear. Outras vezes, vou um pouco mais acima e atravesso junto à estação de Algodor. Ou mais acima ainda, em Añover de Tajo, depois de passar à central térmica de Aceca, a tal que teve, há pouco anos, um importante derrame de combustível. Finalmente, para quem vai para o Levante, não vale a pena ir mais acima de Aranjuez. Resta ainda Fuentidueña de Tajo, se vier de Valência para Madrid, ou vice-versa. Daí para montante, mal contacto com o rio. Apenas algum dos seus primeiros afluentes, quase na nascente. E uma placa na estrada EN234 a indicar Albarracín, nome de terra e também de serra onde se diz que o Tejo nasce. Onde nasce também o Guadalaviar, mais tarde Turia, que vai de Teruel a ver o Mediterrâneo em Valência, antigamente por dentro, agora por fora da cidade, entre o porto e El Saler (mas sem água, estranhos rios que há por aqui…).

Rio Tejo

   
  
   A minha noção de rio está inevitável e definitivamente condicionada por este Tejo. Quando o vi pela primeira vez, já existia a barragem, com essa imensa quantidade de água acumulada.
   Que estranho se torna, pois, olhar agora para algum fio de água, ou nem isso, e saber que também se chama rio... Até este mesmo, à sua passagem em Aranjuez, por exemplo, não me parece mais do que uma ribeirazeca.
   É com carinho que, ao passar em Molina de Aragón (que tem este nome mas se situa em Castilla la Mancha) e depois de olhar as três torres iguais na antiga muralha, apercebo entre uns choupos um riacho, río Gallo, afluente longínquo quase nas nascentes deste meu Tejo, ali chamado Tajo. Lembro-me, de passagem, que essa água, provavelmente, nunca irá correr debaixo da ponte de Belver, pois certamente irá salvar da morte pela sede algum soalheiro pomar de citrinos em Múrcia, e para isso lá está o canal de trasvase Tajo-Segura. Logo me arranha a sensibilidade ecologista pensar que, afinal, talvez sirva antes para regar algum campo de golf nessa mesma Múrcia onde, como em tantos outros locais de Espanha (e não só), crescem os cogumelos putrefactos da corrupção autárquica.
   Mas deixemos essas águas ainda mais impuras que as que correm por este rio... O Tejo não é o mais poluído dos rios, como sabemos. Felizmente, se é que serve de consolo.
  

terça-feira, 7 de novembro de 2006

Vale da Vinha


Fachada da igreja


Entrada da igreja


Manhã de inverno (no outono...)


o girassol do Zé