sábado, 27 de junho de 2009

Memória volátil



Angoulême, França
Terça-feira, 23 de Junho de 2009

Tinha aqui este apontamento manuscrito, rabiscado no verso de uma folha arrancada do livro de relatórios de serviço:

Muitos dos meus pensamentos e intuições são tão rápidos que não chegam a tomar forma discursiva.
E, no entanto, parecem obedecer a toda a lógica.
São fugazes, voláteis. Quando tento recuperá-los, já se me apagaram da memória.
Fica apenas a impressão de terem estado lá. Resta o sentimento doloroso e impotente de uma perda irrecuperável.

Sei que não sou o único a queixar-me da rapidez do pensamento. É mesmo uma queixa recorrente, especialmente dos escritores. Na mais recente leitura feita de Antonio Muñoz Molina, nas Ventanas de Manhattan (li o original em castelhano, e não sei se existe tradução para o português), recordo-me de a ter encontrado. Ele diz que andava sempre a pé pelas ruas de Nova York, levando às costas uma mochila cujo conteúdo se resumia praticamente a um caderno e uma caneta, que ele chama rotulador, e que nós chamamos marcador, ponta de feltro.

Nota-se que muitas das secções do livro foram escritas nos próprios locais que ele vai descrevendo com uma profusão de dados impressionante. De outro modo, ele teria de possuir uma memória absolutamente fotográfica para conseguir fazê-las.

Durante o fim-de-semana passado (que não foi bem um fim-de-semana, pois descansei dois dias a meio da dita) aproveitei para fazer uma visita virtual a alguns desses locais.

A Internet traz o mundo para dentro da nossa casa. Entrando no site do Google Maps, arrastando um boneco que ali está para o local pretendido, podem ver-se as fotos desses mesmos locais. São imagens navegáveis, em sucessão, tiradas a poucos metros umas das outras, a 360º, com grandes angulares impressionantes, sendo praticamente esféricas, pois pode ver-se o cimo dos arranha-céus, na mesma foto em que se vê o chão, obtida mesmo ali, no meio da rua, possivelmente por uma câmara colocada no tejadilho de um carro. Vi, por exemplo, ali mesmo ao lado do Central Park, o carismático edifício Dakota, e, na rua transversal, a porta onde foi baleado e morreu John Lennon. Vi os letreiros enormes de Times Square, o Waldorf Astoria, uma estátua de Confúcio no cruzamento da Division com outra rua cujo nome agora se me varreu. Estive mesmo à entrada do Instituto Cervantes, de que o escritor foi director durante algum tempo, andei à volta do Columbus Circle, e também do Ground Zero.

E quando as fotos, apesar de bastante pormenorizadas e nítidas, possam parecer insuficientes, há geralmente à mão fotos “normais”, deixadas pelos utilizadores, em especial nos sítios mais relevantes. É pena que as fotos panorâmicas sejam tomadas apenas nas estradas. Tentei ver de perto o Grand Canyon e outras paisagens, mas não existiam imagens dos sítios. Pode ser que futuramente as incluam, o que muito valorizaria o serviço.

Devo advertir que esta funcionalidade do Google (ainda?) não se encontra disponível para nenhum local do nosso país, embora algumas cidades espanholas já tenham sido “contempladas”.

Estive também, de fugida, em cima de algumas pontes em Paris e em Roma. De notar que o Vaticano não foi fotografado, possivelmente para preservar a reserva de Sua Santidade (!).

Vou fazer mais visitas. Pena que o portátil se engasgue ao fim de algum tempo com o Flash Player, acabando por bloquear o navegador. Acho que vai estando na altura de o substituir por outro com capacidades mais de acordo com as actuais exigências.

Garanto que esta navegação pelos mapas é uma experiência espectacular.

A falha de memória a que me referia no início não é bem do tipo de se esquecerem os pormenores de um local ou de um assunto. É mais como um vislumbre, um relâmpago de intuição, que quase de imediato se esfuma. Não digo que nesses breves instantes se faça a síntese do conhecimento humano, ou se explique o enigma da origem do Universo, mas a verdade é que fica a sensação de ter ali estado presente alguma sabedoria.

Voltarei a este assunto da memória (ou da falta dela).

Comentários:

Júlia disse a Mon, 29 Jun 2009 17:24:23 GMT:

A exploração do Google Earth é, de facto, absolutamente fantástica. Este ano tive a oportunidade de fazer uma viagem por Lisboa com as minhas "alunas". É pena que nem todos os locais ou cidades se possam ver desta maneira.

Quanto à questão da memória, é um assunto que tem muito que se lhe diga...



terça-feira, 16 de junho de 2009

Antonio Muñoz Molina


Já não recordo com exactidão como conheci Antonio Muñoz Molina. Mas deve ter sido através da página onde colabora na revista espanhola “Muy Interesante”. Pode até parecer estranho e deslocado um escritor desta categoria colaborar com regularidade numa revista pouco prestigiada, virada para o género menor que é a divulgação de temas científicos e tecnológicos, inevitavelmente (e felizmente, diria eu) temperados com bastante ecologia. São revistas viradas para um público não especializado, gente vulgar mas curiosa e interessada, e normalmente encontram-se nas salas de espera dos dentistas e advogados, ao lado de outras publicações viradas para o social e para actualidade cor-de-rosa. Certo preconceito elitista de que por aí se vêem ainda muito mais do que simples vestígios poderia levar a pensar assim. Mas recorde-se que também em Portugal, na homóloga “Super Interessante”, têm as suas páginas próprias Maria Lúcia Lepecki e João Aguiar (em relação a este último, não tenho tanta certeza, pois costumo comprar a versão espanhola). Honra seja feita a esses colaboradores, que dão prova da sua honestidade ao disporem-se a participar em publicações de tão modestas aspirações intelectuais. De referir ainda que estas revistas, ainda que inevitavelmente usem um grafismo de impacto para captar leitores, não alinham pelo esotérico nem adoptam a excentricidade que já nos habituámos a ver em certo estilo americanizado, que destaca apenas o espectacular ou insólito, e se destinam somente a entreter e passar o tempo. Procuram antes satisfazer a curiosidade daqueles leitores que, sem possuírem uma cultura ou conhecimentos muito aprofundados, não renunciam a aprender um pouco mais sobre o mundo que os rodeia.

Antonio Muñoz Molina, na sua página da “Muy Interesante”, escreve geralmente sobre temas relacionados com a protecção do ambiente (ou talvez antes com a falta dela...). E fá-lo de forma muito documentada, como pessoa bem informada que é, no seu tom muito pessoal e envolvente. Já tive oportunidade de traduzir alguns desses artigos, de forma um pouco pirata, pois não dei conhecimento ao autor nem aos editores. Espero que não me processem e que, se o fizerem e ganharem a causa, se contentem com a devolução dos lucros por mim obtidos com a publicação dessas traduções. Aliás, tenho sempre o cuidado de citar as fontes de textos alheios, neste caso com grande destaque, com foto e tudo.

Da leitura desses artigos, surgiu a vontade de ler os seus livros, coisa nem sempre fácil, quer pela dificuldade em encontrá-los (normalmente não ando de livraria em livraria, frequento mais os quiosques das áreas de serviço), quer por mesquinhas razões orçamentais. Mas foi mesmo num desses quiosques que encontrei uma edição de bolso de Sefarad. Mais recentemente, numa bomba de gasolina ali para os descampados da Siberia extremeña, onde costumo parar para descansar ou comprar alguma revista, adquiri os três exemplares existentes, um para cada título, de El viento de la Luna, El jinete polaco e Ventanas de Manhattan, edições de bolso de preço modesto.

(continua)


Comentários:



Júlia disse a Wed, 17 Jun 2009 15:37:01 GMT:
Fiquei cheia de curiosidade. Não conheço o autor que refere mas, como sabe, interesso-me muito por estas questões do ambiente. Tema cada vez mais actual e que urge ser amplamente divulgado para que as pessoas fiquem conscientes do que se está a fazer a este nosso pobre planeta. É que ele é único e irrepetível...
Cumprimentos