Angoulême, França
Terça-feira, 23 de Junho de 2009
Tinha aqui este apontamento manuscrito, rabiscado no verso de uma folha arrancada do livro de relatórios de serviço:
Muitos dos meus pensamentos e intuições são tão rápidos que não chegam a tomar forma discursiva.
E, no entanto, parecem obedecer a toda a lógica.
São fugazes, voláteis. Quando tento recuperá-los, já se me apagaram da memória.
Fica apenas a impressão de terem estado lá. Resta o sentimento doloroso e impotente de uma perda irrecuperável.
Sei que não sou o único a queixar-me da rapidez do pensamento. É mesmo uma queixa recorrente, especialmente dos escritores. Na mais recente leitura feita de Antonio Muñoz Molina, nas Ventanas de Manhattan (li o original em castelhano, e não sei se existe tradução para o português), recordo-me de a ter encontrado. Ele diz que andava sempre a pé pelas ruas de Nova York, levando às costas uma mochila cujo conteúdo se resumia praticamente a um caderno e uma caneta, que ele chama rotulador, e que nós chamamos marcador, ponta de feltro.
Nota-se que muitas das secções do livro foram escritas nos próprios locais que ele vai descrevendo com uma profusão de dados impressionante. De outro modo, ele teria de possuir uma memória absolutamente fotográfica para conseguir fazê-las.
Durante o fim-de-semana passado (que não foi bem um fim-de-semana, pois descansei dois dias a meio da dita) aproveitei para fazer uma visita virtual a alguns desses locais.
A Internet traz o mundo para dentro da nossa casa. Entrando no site do Google Maps, arrastando um boneco que ali está para o local pretendido, podem ver-se as fotos desses mesmos locais. São imagens navegáveis, em sucessão, tiradas a poucos metros umas das outras, a 360º, com grandes angulares impressionantes, sendo praticamente esféricas, pois pode ver-se o cimo dos arranha-céus, na mesma foto em que se vê o chão, obtida mesmo ali, no meio da rua, possivelmente por uma câmara colocada no tejadilho de um carro. Vi, por exemplo, ali mesmo ao lado do Central Park, o carismático edifício Dakota, e, na rua transversal, a porta onde foi baleado e morreu John Lennon. Vi os letreiros enormes de Times Square, o Waldorf Astoria, uma estátua de Confúcio no cruzamento da Division com outra rua cujo nome agora se me varreu. Estive mesmo à entrada do Instituto Cervantes, de que o escritor foi director durante algum tempo, andei à volta do Columbus Circle, e também do Ground Zero.
E quando as fotos, apesar de bastante pormenorizadas e nítidas, possam parecer insuficientes, há geralmente à mão fotos “normais”, deixadas pelos utilizadores, em especial nos sítios mais relevantes. É pena que as fotos panorâmicas sejam tomadas apenas nas estradas. Tentei ver de perto o Grand Canyon e outras paisagens, mas não existiam imagens dos sítios. Pode ser que futuramente as incluam, o que muito valorizaria o serviço.
Devo advertir que esta funcionalidade do Google (ainda?) não se encontra disponível para nenhum local do nosso país, embora algumas cidades espanholas já tenham sido “contempladas”.
Estive também, de fugida, em cima de algumas pontes em Paris e em Roma. De notar que o Vaticano não foi fotografado, possivelmente para preservar a reserva de Sua Santidade (!).
Vou fazer mais visitas. Pena que o portátil se engasgue ao fim de algum tempo com o Flash Player, acabando por bloquear o navegador. Acho que vai estando na altura de o substituir por outro com capacidades mais de acordo com as actuais exigências.
Garanto que esta navegação pelos mapas é uma experiência espectacular.
A falha de memória a que me referia no início não é bem do tipo de se esquecerem os pormenores de um local ou de um assunto. É mais como um vislumbre, um relâmpago de intuição, que quase de imediato se esfuma. Não digo que nesses breves instantes se faça a síntese do conhecimento humano, ou se explique o enigma da origem do Universo, mas a verdade é que fica a sensação de ter ali estado presente alguma sabedoria.
Voltarei a este assunto da memória (ou da falta dela).
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