José Saramago, no seu interrompido (e ocasionalmente retomado) Caderno, referiu-se ao caso de Maria João Pires e à sua renúncia à nacionalidade portuguesa, na sequência de graves desentendimentos entre a pianista e o Ministério das Finanças, que levaram ao encerramento da escola de Belgais.
É curioso, ou talvez não, que Saramago tenha aberto uma excepção (como agora abriu a propósito de uma edição d’A Jangada de Pedra, cujo produto reverterá integralmente a favor das vítimas do sismo no Haiti), para se referir a uma rotura de cidadania, ele que também se desentendeu com certas autoridades do seu país, tendo ido viver para Espanha, que o acolheu de braços abertos (os espanhóis gostam de nacionalizar tudo o que lhes possa trazer vantagens, e um Prémio Nobel não é para desprezar…).
São duas figuras de peso que de certo modo nos deixaram, virando-nos as costas e batendo com a porta.
Saramago perdeu a paciência por causa de uns inefáveis censores que havia por cá (e que, afinal, à sua maneira, tinham demasiadas culpas no cartório para que lhes assistisse o direito de julgar os outros ou as suas obras). Os que atiram pedras ao escritor deviam lembrar-se disto, se é que alguma vez lhes ocorreu.
Quanto à pianista, o caso é um bocadinho diferente. Poderia dizer-se, a propósito, que o génio artístico e a capacidade de gestão não andam necessariamente de mãos dadas. No final, foi pena que ninguém tenha sido capaz de encontrar uma maneira de obviar esse inconveniente. Que afinal não era mais do que isso.
Se algum dia alguém for capaz de fazer o balanço de ambas as situações, saber-se-á quem ganhou e quem perdeu?