segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

J.

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Esta é, num brevíssimo resumo, a história de uma grande mulher.
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A grandeza não se mede pela estatura, nem pela fama ou poder. A grandeza é dada, a cada pessoa, pela sua capacidade de tornar melhores aqueles que tiveram a oportunidade de a conhecer. É grande quem cria mais do que aquilo que destrói.
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Veio da planície, fugindo de uma paixão que acabou mal, na certeza de encontrar a segurança do cumprimento de uma promessa. O recomeçar em confiança, uma vida difícil sem dias de descanso. Veio no comboio, ao encontro de quem apenas lhe prometera isso, e não era pouco.
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Pouco tempo depois, casaram. A actividade económica do casal, constava de um táxi, bomba de combustível, café e pensão, venda de lotarias, agência de documentação. Havia empregados, nalguns casos com laços familiares.
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Não houve descendência. A esta mulher, os filhos que a Natureza lhe negou, vieram-lhe multiplicados no enorme número de afilhados que teve, muitos dos quais acolheu e literalmente criou.
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O homem, ainda bastante novo, morreu subitamente. A ela, ficou-lhe nas mãos um encargo imenso. A situação económica não era a melhor. Quem tudo vai distribuindo, sem nada guardar para si, pode um dia ficar numa situação delicada. Foi gerindo tudo como pôde, ainda durante bastantes anos, até finalmente se retirar de parte das actividades. Os tempos foram mudando, outros empresários foram surgindo, com novos planos e ideias.
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Entretanto, morreu-lhe também uma ajudante preciosa, a irmã, com cinco filhos pequenos. Foi ela quem acabou por criá-los.
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Ficou com uma pequena pensão, na casa para onde foi morar. Alugava quartos e fornecia refeições a trabalhadores, estudantes, professores em início de carreira. Manteve a agência de documentação. Era essa a situação quando a conheci. Eu fui um dos seus hóspedes. Em certos dias, era um corropio de gente a tratar de documentos, geralmente coisas relacionadas com as cartas de condução e respectiva renovação.
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Era uma cozinheira excepcional, ajudada por alguma afilhada que já há muito a acompanhava, fazendo a felicidade dos estômagos dos hóspedes. Praticava uns preços extremamente moderados, compatíveis com as possibilidades dos pagantes, mas não com o amealhar de dinheiro por parte dela.
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Tratava-se de uma pessoa com uma capacidade de negociação e persuasão extraordinárias, intervindo frequentemente, a pedido dos interessados, na resolução de problemas pessoais delicados. Tinha a capacidade de conseguir conhecer a vida das pessoas sem nunca parecer que se estava a intrometer, tal o grau de confiança que inspirava. Sabia aconselhar e emitir, quando achava que devia, opiniões nem sempre fáceis de aceitar se viessem de outra pessoa. Usava de uma franqueza desconcertante e não era possível contrariá-la, ainda que se quisesse, pois tudo quanto dizia tinha sido seriamente pensado.
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Já para o final da vida, abandonou todas as actividades, passando a viver de uma pequena reforma.
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Depois da sua morte, soube que tinha deixado uma lista com os nomes das pessoas que ela desejaria que fossem informadas do facto. O meu nome constava dessa lista, e posso dizer que considerei e considero isso uma honra enorme. Entretanto, os familiares não cumpriram essa sua vontade, alegando não querer incomodar os nomeados, tendo, no meu caso, pedido desculpa por essa omissão.
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Jaz no cemitério da localidade para onde veio viver, longe da sua cidade natal, cujo nome compartilhava.
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