A pensar em voz alta a pretexto da rede social.
O Facebook distribui a informação de forma nada proporcional. O algoritmo utilizado entrega as ligações segundo um critério baseado nas interacções anteriores, entrando por isso em modo de retroacção positiva ou círculo vicioso, levando a que cada vez mais sejamos bombardeados com publicações sempre das mesmas origens, enquanto deixamos totalmente de "ver" as restantes.
Algumas acções podem ajudar a diminuir os sintomas, embora não erradiquem a doença: por exemplo, deixar de "gostar" das páginas que abafam as outras (eventualmente guardando externamente o link para uso posterior) e fazer o mesmo com as subscrições de perfis excessivamente activos. É muito fácil clicar no "Gosto" de uma página quando se encontra uma publicação que nos agradou. Mas algumas páginas têm dezenas ou mesmo centenas de actualizações por dia. Mesmo que não apareçam todas, vão inevitavelmente ocupar espaço, tempo e atenção.
Isto faz lembrar o ditado "o saber não ocupa lugar". Esse ditado pode ter sido válido no tempo em que uma pessoa razoavelmente instruída conseguia ter um conhecimento bastante profundo da maior parte das ciências. Não é assim hoje. Levam-se anos a adquirir conhecimentos profundos de um ramo científico. Esses anos não podem ser empregues a adquirir conhecimentos profundos de outros ramos. A vida humana é limitada. O saber ocupa lugar.
Todos os dias somos confrontados com este problema na sociedade em que vivemos, a propósito das opções educativas do país. Que tipo de ensino devemos ter? Ensino profissional logo a partir dos primeiros anos, fechando as portas a potenciais oportunidades mais tarde? Ensino totalmente aberto até à opção do curso universitário, tornando os alunos aptos a seguir qualquer curso, mas sem possuírem nenhuma formação profissionalizante de base para o caso de não seguirem para o ensino superior?
Na era da informação, talvez o maior problema seja o de saber o que fazer com tanta informação. Tão grande como o de saber distinguir qual dela é pura desinformação. A maior parte do que nos chega aos olhos e aos ouvidos é apenas ruído destinado a evitar que oiçamos o que realmente nos interessa. Esse ruído pode resultar de pura tagarelice. E parte dele resulta. O problema é que essa tagarelice muitas vezes já vem contaminada. Basta darmos uma olhadela ao arrazoado que decora a parte de baixo das publicações mais lidas no Facebook ou noutros sítios abertos a comentários, para ficarmos com uma ideia do nível de intoxicação que por aí anda.
A Rede Social não serve apenas para comunicarmos uns com os outros. Esse é apenas o chamariz. Nunca existiu um meio tão eficaz de intoxicar a opinião pública. Mesmo em sociedades tidas como democráticas, onde a expressão é livre, existem inúmeras formas de condicionar o que vemos e ouvimos. Mais ainda: a seguir, ficamos condicionados (sugestão por um lado, auto-censura pelo outro) naquilo que vamos dizer ou escrever. E nem é preciso falar de países, como a China, onde a circulação de informação é objecto de apertado controlo por parte dos poderes instalados.
O tempo e o esforço empregues a escrever comentários inconsequentes é desviado de um mais conveniente esforço para perceber o assunto sobre o qual se comenta. A Rede Social é um terreno cada vez mais minado e armadilhado sobre o qual caminhamos como se fosse apenas um jardim florido.
Alguém disse que o verdadeiro, o melhor dos espiões ou agentes secretos é aquele que nem sequer sabe que o é. Aqui passa-se algo de semelhante. Sem nos darmos conta, vamos sendo arregimentados por fazedores de opinião (eles já nem o escondem e até se publicitam a si próprios como tal) ao serviço de interesses nem sempre claros, sejam eles de natureza política, ideológica ou económica. Em menos de nada, já estamos a fazer campanha, a aderir, a defender, a divulgar, a partilhar.
Claro que até os animais treinados do circo (agora proibidos...) se aborrecem e desinteressam-se de fazer as suas habilidades se não forem devidamente recompensados, na forma de um torrão de açúcar ou algo equivalente. Na Rede Social, a recompensa é administrada de forma bastante mais sofisticada. A recompensa é a satisfação. Dedicaremos tanto mais tempo e atenção quanto maior for a satisfação recebida. Ora, se a informação nos chegasse de forma aleatória, a satisfação poderia não estar garantida, devido à chegada constante de conteúdo desagradável. Os filtros da Rede Social encarregam-se de nos fazer chegar praticamente só aquilo de que gostamos (ou que o sistema "supõe" que gostamos), recompensando-nos dessa forma pela atenção que lhe dedicamos.
Conhecedores desta realidade, os feiticeiros modernos (entre eles muitos aprendizes) tratam de descobrir as preferências de cada um de nós para que essas mesma preferências passem a ser o veículo privilegiado da mensagem que nos pretendem transmitir (ou do veneno que nos pretendem inocular). Já não se trata de descobrir o que pensamos para nos encarcerarem por subversivos. Trata-se antes de canalizar a subversão e colocá-la ao serviço dos mesmíssimos interesses e poderes que ela supostamente deveria minar. Mal damos por isso, enquanto nos julgamos uns contestatários iluminados, já estamos a fazer o papel de idiotas úteis.
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Voltaremos a pensar nisto.
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Manhoso (do título):
http://www.priberam.pt/DLPO/default.aspx?pal=manhoso
No Alentejo, usa-se com um sentido que é uma mescla de toda a definição dada pelo Priberam, o que está muito bem.
http://www.priberam.pt/DLPO/default.aspx?pal=manhoso
No Alentejo, usa-se com um sentido que é uma mescla de toda a definição dada pelo Priberam, o que está muito bem.