quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Dar



«Siempre me acuerdo del Evangelio: “Al que tiene le será añadido; al que no tiene le será negado”. Cuando eres tan pobre que miras los escaparates de las librerías como un hambriento los de los restaurantes nadie te regalará ningún libro. Cuando no lo necesitas te abruman con ellos.»

http://xn--antoniomuozmolina-nxb.es/2013/11/tantos-libros/



"Pois eu vos digo que a qualquer que tiver ser-lhe-á dado, mas ao que não tiver, até o que tem lhe será tirado."
(Lucas 19,26)

No Evangelho, o sentido da parábola é outro bem diferente (tem pouco a ver, nota-se que o escritor anda por outras leituras), mas siga-se, para este efeito, a citação à letra...



Por que razão as pessoas ricas ou menos necessitadas tendem a receber mais prendas, ofertas, etc. do que outras mais pobres e necessitadas?

Não há uma razão única para o explicar (os factos que observamos têm geralmente causas múltiplas e quase sempre complexas). Oferecer algo a alguém é um acto que pode ter motivações bastante díspares. Quando se trata de caridade, o acto vai, naturalmente, dirigido a pessoas mais pobres. Os ricos não precisam de caridade.

As entregas feitas a pobres a título de caridade ou solidariedade não se enquadram nas categorias de prendas, brindes, ofertas. São ajudas.

Ninguém dá brindes aos pobres. Os brindes podem ter diversas motivações, sendo algumas delas de natureza comercial (merchandising, uma acção de marketing) e têm como objectivo chamar a atenção das pessoas para um bem comercial ou mercadoria, com o objectivo final de que o comprem.

Não tendo os pobres poder de compra, não tem sentido fazer acções de promoção dirigidas (direccionadas?) a eles. Quando os pobres recebem os objectos utilizados nas acções de marketing, esses objectos ou brindes já não estão a cumprir a função para a qual foram criados, a não ser quando ele, pobre, funciona como pretexto para a exibição do acto (sendo o pobre então mero instrumento de acções dirigidas a outros).

A oferta feita aos pobres pode não ser desinteressada. O gesto é para ser visto pela sociedade, de forma que o ofertante possa colher benefícios em termos de imagem junto do público (banquetes e feiras de beneficência, por exemplo, embora sempre haja pessoas que preferem ficar anónimas).

Há, contudo, casos em que os pobres podem obter ofertas com intenção que se pode considerar, em grande parte, de natureza comercial e não como dádiva altruísta e desinteressada. A oferta pode destinar-se a "comprar" a sua cooperação, em actos ou atitudes de que o ofertante espera obter benefícios (a moeda dada ao arrumador de carros não anda muito longe disso, embora aqui já exista uma outra componente, a de extorsão, pois a moeda serve também para evitar a ameaça de aparecerem uns riscos no carro, um pneu furado ou coisa ainda pior; mas isso já é outro tema).

Os livros enviados ao escritor são merchandising, brindes promocionais. Quem os envia espera que ele os leia e venha depois a falar ou escrever sobre eles, conferindo-lhes prestígio e, por acréscimo, valor comercial.

Quem dá, geralmente espera algo em troca. Por isso, dá-se mais a quem tem algo para dar. É injusto, mas é assim. Ou, pondo a frase ao contrário: É assim, mas é injusto.


(Claro que este não era mesmo o assunto da Parábola da Dez Moedas).