quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Anónimo, Jerónimo e Heterónimo




Que andam a fazer por aqui estes heterónimos que desconheço? Acaso, por distracção, os terei convocado para jantar? Não me parece. Terão vindo por vontade própria, então. E já que atingiram a autodeterminação, que tal conversar um pouco com eles?
— Heterónimo, como te chamas?
— Acabas de o dizer.
— Que nome estranho foste arranjar, Acabas de o Dizer…
— Não percebeste bem. O meu nome é Heterónimo. E, já agora, não fui eu quem o escolheu. Foram os meus padrinhos, por comum acordo.
— Puseram-te Heterónimo…
— Era para ser Jerónimo, mas acharam muito vulgar.
— E agora, como vou chamar aos outros?
— Isso não sei. Terás de lhes perguntar, pois não os conheço.
— Bom, vamos lá então… E tu, também te chamas Heterónimo?
— Pois não… Podes chamar-me como quiseres.
— Alto lá! Tens de ter um nome. Toda a gente tem nome.
— Pois eu, por acaso, não tenho. E agora?!...
— E agora… vamos ter de te arranjar um. Mas como é isso de não teres nome? Não se pode andar por aí sem nome… Onde é que nasceste? De onde és?
— Não importa de onde venho e depois se verá para onde vou. O que interessa é que estou aqui.
— Pois… mas não trazes nome…
— E para que queres tu um nome? Ter um nome torna-te diferente?
— Boa pergunta… Sempre me conheci com o nome que tenho.
— Nem te pergunto qual é.
— Podes perguntar. Mas não to direi.
Calado há bastante tempo, Heterónimo decide intervir:
— Esperem lá!... Quer dizer que aqui sou o único que tem nome?! E logo eu, que tenho um nome que nem nome é…
— Tu cala-te! Se não acreditas no nome que tens… Bem, e a ti vamos chamar-te Anónimo, já que não tens nome. Quanto a mim, vou chamar-me “Eu”. Mas vocês dois, quando me chamarem, deverão dizer “Tu”.
— Mas os meus pais sempre me chamaram Jerónimo. O Heterónimo foi ideia dos padrinhos, que eles nunca aceitaram muito bem e só aceitaram usar para o registo na conservatória.
— Então, oficialmente és Heterónimo mas consideras-te Jerónimo?
— Exactamente. Na intimidade, sempre me tratam por Jerónimo, mas, em certas situações, tenho de usar o meu nome oficial: Heterónimo.
— Espera lá! Isso não tem um bocadinho de contradição? O teu nome oficial ser Heterónimo? Prefiro chamar-te Jerónimo.
— Também prefiro. E quanto ao Anónimo, como devemos chamar-lhe? Eu acho que “Fulano” não ficava mal…
— E se aparecer outro chamamos-lhe Sicrano e por aí adiante…
— Isso mesmo!
— Fica combinado. Já agora, quem é que paga o jantar?